segunda-feira, 4 de maio de 2015

O dilema do ponto da carne

Eu adoro carne vermelha, pode ser picanha, fraldinha, baby bife, filé mignon, bife de chorizo, ancho, não importa, todos os cortes são deliciosos desde que a carne seja de boa qualidade e desde que...esteja ao ponto. Sim, carne ao ponto, algo difícil de encontrar em restaurantes brasileiros, infelizmente.

Opinião não se discute e cada um pode gostar de comer a carne do jeito que achar melhor, porém, o ponto correto da carne é um só, seja aqui ou seja em qualquer lugar do mundo, a carne ao ponto é rosada por dentro, macia e suculenta. Se estiver marrom por dentro e sem soltar nenhum caldo é porque passou do ponto; se estiver vermelha e molenga está mal passada. Isso é algo que não cabe discussão.


Carne mal passada é assim:




Carne ao ponto é assim:




Carne bem passada é assim:



O grande problema está no fato de que a maioria das pessoas que gostam de carne bem passada, ou seja, fora do ponto, acham que a carne ao ponto é mal passada e reclamam. Eu já vi mais de uma vez em restaurantes especializados, a carne ser servida perfeitamente ao ponto, rosada, escorrendo sulco e a pessoa mandar voltar sob a alegação de que está mal passada. 

Este tipo de conduta dos clientes, extremamente comum no Brasil, fez com que os restaurantes se habituassem em servir sempre a carne ao ponto mais (levemente bem passada) ou totalmente bem passada, com o intuito de evitar reclamações. O curioso é que os restaurantes sempre perguntam qual o ponto da carne na hora de anotar o pedido, mas quase nunca servem no ponto. Apenas em restaurantes mais requintados é possível saborear um bom corte alto ao ponto, mas ainda assim não é sempre.

E no churrascão no fim de semana...sempre tem um chato pra reclamar que a carne está mal passada, quando ela está perfeitamente assada. Este chato totalmente desprovido de cultura carnívora, que infelizmente é figura carimbada em qualquer churrasco, não tem a menor ideia de como é difícil acertar o ponto da carne, sim é bem difícil, basta se distrair dois minutos para encher um copo de cerveja, ouvir uma piada, espremer um limão...e já era, a carne passou do ponto, aquela carne que você pagou caro e preparou com tanto cuidado agora está ressecada e dura, do jeito que o chato sem noção e sem cultura vai adorar. No transcorrer do churrasco, conforme o nível etílico do churrasqueiro vai aumentando a tarefa vai se tornando ainda mais difícil. E quando você finalmente acerta o ponto perfeitamente, tira aquela picanha tenra, macia, suculenta, vem um infeliz e diz que está crua, a vontade é pegar a cabeça do sujeito e enfiar na brasa pra ver se o cérebro bem passado funciona melhor.

Não é exagero dizer que comer carne ao ponto é questão de cultura, sim é cultura, assim como apreciar um bom vinho, ouvir uma boa música e apreciar uma obra de arte. 

É verdade também que estamos evoluindo, há uns 20 ou 30 anos atrás, churrasco para nós, pelo menos em São Paulo, era bife sola de sapato no pão com vinagrete, isso era chamado de churrasco. A evolução nas últimas duas décadas foi muito acelerada neste aspecto, o pão com bife foi deixado de lado e dificilmente é visto zanzando em qualquer churrasco, mas a ideia da carne bem passada ainda está impregnada na cabeça de muita gente, para infelicidade dos verdadeiros apreciadores de carne.

Tenho certeza que sempre existirão pessoas que gostam da carne bem passada, ressecada e dura, afinal gosto é gosto, e muita gente tem mal gosto. Mas o que eu espero é que um dia estas pessoas entendam que elas são a exceção, que existe um ponto correto para a carne, um padrão de qualidade mundialmente conhecido, e se o sujeito prefere comer além do ponto, ele que coma, mas que não encha o saco do churrasqueiro ou do chef de cozinha.